sexta-feira, 6 de junho de 2025

Por Que Repetimos Padrões Nocivos?

 


Por Que Repetimos Padrões Nocivos? Do Inconsciente Familiar à Neurociência do Pertencimento.

Você já se perguntou por que, às vezes, parece que estamos presos em ciclos de comportamento que não nos servem, ou até mesmo prejudicam a nós e aos outros? É uma questão complexa que tem intrigado pensadores de diversas áreas, desde a psicologia profunda até as mais recentes descobertas da neurociência.

Hoje, vamos explorar a fascinante ideia de que muitos de nossos comportamentos, especialmente aqueles que consideramos "nocivos", podem estar enraizados em uma identificação profunda e inconsciente com membros de nosso sistema familiar. É como se uma força invisível nos guiasse para "pertencer" de uma forma que transcende a lógica racional.

A "Boa Consciência" e as Lealdades Inconscientes

Bert Hellinger, conhecido por seu trabalho com as Constelações Familiares, introduziu o conceito de "boa consciência". Para Hellinger, a boa consciência não é sobre certo e errado no sentido moral tradicional, mas sim sobre o nosso profundo impulso inato de pertencer e de estar em sintonia com o nosso grupo de origem, seja a família ou a comunidade.

Imagine a seguinte situação: alguém na família cometeu um crime grave e foi excluído, julgado e silenciado. Os filhos crescem ouvindo "não seja como seu tio" ou "não faça o que seu pai fez". O assunto se torna um tabu, um fardo pesado. No entanto, o que Hellinger observou é que, paradoxalmente, esse filho pode se identificar não apenas com o grupo que excluiu, mas também com o próprio excluído.

Em nome da coesão e da sobrevivência do grupo, e impulsionado por essa "boa consciência" sistêmica, ele pode, inconscientemente, tentar "chamar de volta" aquele que foi excluído. Por que? Porque, em um nível profundo, há um saber de que uma exclusão enfraquece o sistema. Um vazio é gerado, um desequilíbrio que busca ser compensado.

Assim, em uma homenagem silenciosa e inconsciente, essa pessoa pode acabar repetindo padrões de comportamento, como o envolvimento em criminalidade ou violência, mesmo que isso vá contra seus desejos conscientes. Para a "boa consciência", pertencer e reintegrar o excluído pode ser mais forte do que a moralidade consciente.

A Neurociência e o Trauma: Outras Lentes para o Mesmo Fenômeno

Como a neurociência e o estudo do trauma podem nos ajudar a compreender essas dinâmicas? As pesquisas mais recentes nos oferecem um olhar fascinante sobre os mecanismos biológicos e psicológicos por trás da repetição de padrões e da busca incessante por pertencimento.

  • Trauma Transgeracional e Epigenética: Estudos no campo da epigenética têm demonstrado como experiências traumáticas de uma geração podem, de fato, afetar a expressão genética das gerações subsequentes. Isso significa que a forma como nossos ancestrais lidaram com o estresse pode influenciar nossa própria predisposição a certas respostas emocionais e comportamentais. Pesquisas pioneiras, como as realizadas por Rachel Yehuda e sua equipe, têm investigado os efeitos epigenéticos do trauma em descendentes de sobreviventes, mostrando alterações em genes relacionados à regulação do estresse. [1, 2]

  • A Neurobiologia do Pertencimento: Nosso cérebro é "programado" para a conexão social. A necessidade de pertencer a um grupo é tão fundamental que ativa os centros de recompensa do cérebro. A exclusão social, por outro lado, pode ser percebida como uma ameaça, ativando as mesmas regiões cerebrais associadas à dor física. Isso destaca a profunda necessidade biológica de conexão social [3]. Neurotransmissores como a ocitocina, fundamental para a formação de laços, reforçam esse impulso [4]. Se o único caminho percebido para o pertencimento dentro de um sistema familiar ou comunitário é a repetição de certos padrões, o cérebro pode priorizar essa conexão em detrimento de outras considerações.

  • O Impacto do Trauma no Desenvolvimento Cerebral: O trauma, especialmente aquele vivenciado na infância, pode moldar o desenvolvimento de regiões cerebrais cruciais, como a amígdala (responsável pelo processamento do medo) e o córtex pré-frontal (envolvido no planejamento, tomada de decisão e e controle de impulsos) [5]. Essa maturação impactada pode levar a dificuldades na autorregulação emocional, maior impulsividade e uma maior suscetibilidade a comportamentos de risco, especialmente em ambientes onde esses comportamentos são vistos como formas de "pertencer" ou "sobreviver".

Além dos Padrões: Um Convite à Reflexão

É fascinante como essas diferentes perspectivas se encontram para nos dar uma compreensão mais profunda da complexidade humana. A visão de Hellinger nos oferece uma lente para as dinâmicas sistêmicas invisíveis, enquanto a neurociência e a teoria do trauma nos fornecem os mecanismos biológicos e psicológicos subjacentes.

Ao reconhecer essas influências, podemos começar a desvendar os fios que nos ligam a padrões que talvez não nos sirvam mais. Entender que muitos desses comportamentos não são falhas morais, mas sim respostas complexas a lealdades sistêmicas e feridas não resolvidas, pode ser o primeiro passo para a mudança.

Como estudante de psicologia (9 Semestre) a caminho de vestir essa nova identidade profissional como psicóloga, tenho integrado esses saberes em meu trabalho individual. Acredito que a jornada de autoconhecimento nos permite olhar para nossas histórias familiares e pessoais com mais compaixão e clareza, abrindo espaço para novas escolhas e para a construção de um caminho mais alinhado com o nosso bem-estar e o de futuras gerações. É um convite à reflexão sobre como podemos honrar nossa história sem sermos prisioneiros dela.


Referências:

  1. Yehuda, R., & Lehrner, A. (2018). The epigenetics of trauma. Dialogues in Clinical Neuroscience, 20(4), 285–294. [Pesquisar no PubMed ou Google Scholar]
  2. Yehuda, R., Daskalakis, N. P., Bierer, L. M., Bader, H. N., Klengel, T., & Holsboer, F. (2016). Transgenerational transmission of trauma effects. Dialogues in Clinical Neuroscience, 18(2), 193–199. [Pesquisar no PubMed ou Google Scholar]
  3. Eisenberger, N. I. (2012). The pain of social disconnection: examining the neural bases of social exclusion. American Journal of Psychiatry, 169(12), 1239–1241. [Pesquisar no PubMed ou Google Scholar]
  4. Young, G. S. (2016). Oxytocin and social bonding. Current Opinion in Psychology, 9, 16–20. [Pesquisar no PubMed ou Google Scholar]
  5. Teicher, M. H., & Samson, J. A. (2016). Annual Research Review: The effects of childhood maltreatment on brain structure and function—implications for psychiatric disorders. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 57(3), 220–241. [Pesquisar no PubMed ou Google Scholar]

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