A Metáfora do Rio e da Semente
Numa terra distante, havia um rio. Não era um rio comum, mas um rio que corria com a memória de todas as paisagens que havia tocado. Em seu leito, carregava pedras arredondadas pela jornada, galhos que outrora foram verdes, e a quietude dos lugares mais profundos. Ele amava seu trajeto, a forma como se movia, a força de sua corrente. E, principalmente, amava uma grande rocha que se tornou seu ponto de referência, um ponto fixo no qual ele sempre se chocava, se moldava e, de alguma forma, encontrava seu ritmo.
A rocha, por sua vez, sentia a pressão e a constância do rio. Ela se via como o ponto de estabilidade e o destino inevitável daquela correnteza. Sua existência se definia pela presença e pela força da água que a esculpia.
Certo dia, o rio percebeu que, por mais que sua corrente moldasse a rocha, o fluxo em si estava se perdendo. As águas se agitavam em círculos viciosos ao redor daquela imensa estrutura, e a dor de chocar-se contra ela era a única sensação que o rio reconhecia como familiar. Ele sentia, em suas profundezas, uma sede por águas que nunca havia tocado, por paisagens que só existiam na memória ancestral. Mas o medo era imenso. O que seria dele sem a rocha que o guiava? Como ele saberia para onde ir sem o atrito que definia seu curso? A rocha também sentiu a mudança. Ela se perguntava o que seria sem o rio para lhe dar sentido, para sentir-lhe a vida correndo sobre sua superfície.
Foi então que uma força silenciosa, que vinha da origem do rio, sussurrou uma verdade antiga: "Para tocar novas paisagens, o fluxo precisa encontrar um novo caminho." O rio, com um misto de medo e coragem, começou a desviar seu curso. No início, foi um movimento quase imperceptível, uma gota por vez. O atrito com a rocha tornou-se cada vez menor. A rocha sentiu o abandono, a solidão, e temeu desmoronar sem a presença do rio.
Enquanto isso, o rio seguia seu novo leito. Cada curva, cada novo afluente que encontrava, trazia consigo a lembrança da dor, mas também uma sensação de liberdade inexplorada. Em sua antiga beira, a rocha, sem a força do rio para lhe dar forma, começou a se desintegrar em partículas minúsculas, grãos de areia. E a rocha, em seu mais profundo desespero, sentiu-se incapaz, culpada por não ter conseguido segurar o rio. Ela se viu como um mero punhado de pó, sem valor.
O rio, em sua nova jornada, chegou a uma clareira. Suas águas, agora serenas, encontraram um solo novo. E ali, o solo, ressequido pela ausência de água, ansiava por vida. Mas o rio, acostumado a fluir incessantemente, não sabia o que fazer com a quietude. E se ele parasse, as águas se corromperiam?
Então, uma semente, que sempre viveu escondida no leito do rio, na escuridão, sem nunca ter visto a luz, começou a inchar, a despertar. Ela tinha em seu código a memória da árvore que viria a ser. Quando as águas do rio a tocaram e a quietude se fez, a semente sentiu que era o momento. Ela não temeu a solidão do solo, nem a escuridão da terra. Ela tinha a confiança de que sua essência já continha tudo o que precisava para crescer.
O rio, ao ver a semente despertar, compreendeu. A rocha não era seu destino, mas uma parte do ciclo que precisava terminar. A dor da separação não era sua culpa, mas o processo natural da desintegração para que algo novo, uma nova paisagem interior, pudesse ser cultivado. A solidão que a rocha sentiu era o espaço necessário para que ela se tornasse a areia que, um dia, seria parte de um novo solo. E o rio, ao se abrir para a quietude daquela clareira, se tornou a água que nutriria não apenas a semente, mas a vida em sua totalidade.
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